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2003/10/17

Salvar a floresta, salvar o ambiente, salvar a paisagem. 

Para um programa de “Arte de Governar”:à atenção do governo e da sociedade civil.
Um compromisso para os nacionalistas portugueses.


Temos, os nacionalistas, de dar provas do nosso amor a Portugal, provas concretas.

O que venho dizendo da Beira Interior devo dizê-lo do País.

Mas a Beira Interior é o meu “próximo “ geográfica e humanamente falando.

Como o Alentejo é, no mesmo sentido, o “próximo” do “Manuel Azinhal” que dele fala com paixão e devoção no seu blog.

Que podemos cada um e todos fazer pelas nossas Pátrias mais pequenas?

Este verão, e até 30 de Setembro, arderam nos distritos da Guarda e de Castelo Branco, no conjunto, 93.777 ha de matas e 40.055 ha de matos, num total de 133.832 hectares (Viseu, distrito, pouco significou, por sorte; não terão ardido aí, ao todo, mais de 4.473 ha).

Para termos, porém, uma ideia mais clara da tragédia, é preciso notar que esses 133.832 ha representam mais de 35% da área de floresta e mato que ardeu em todo o País; e talvez mais de 40% de tudo o que havia para arder nos dois distritos (Guarda e Castelo Branco), até os incêndios de 2003 começarem na B.I.

Considerando apenas a área de povoamentos florestais ardidos na B.I. – excluindo, portanto, as áreas dos matos destruídos pelos incêndios – e atribuindo às árvores ardidas o valor médio de 1000 contos por hectare (hipótese pinheiro bravo), podemos estimar o prejuízo, apenas em material lenhoso, nos 93777 ha de floresta perdida na Beira Interior, este verão, em cerca de 94 milhões de contos.

Para recuperar toda a área ardida (133.832 ha), seria necessário – a 300 contos, em média, por ha, para reflorestação racionalmente ordenada e para a melhoria das infra-estruturas (caminhos, aceiros, pontos de água, etc.) – seria necessário, repito, um investimento da ordem dos 51 milhões de contos.

Não se crê possível, para um investimento que não começaria a ser recuperado senão 15 a 20 anos depois da reflorestação!

Há que encontrar soluções complementares.

O Estado poderia contar com a iniciativa privada, local e exterior à B.I., se for capaz de interessá-la com compromissos imaginativos e firmes.

Deveria abrir concurso público para empresas que quisessem comprometer-se a florestar e/ou beneficiar de 1000 a 5000 ha em 3 a 6 anos, trabalho que o Estado comparticiparia de acordo com as suas tabelas. Cada empresa, teria liberdade para gerir e explorar as áreas que reflorestasse ou beneficiasse – pertencentes aos parceiros que conseguisse reunir, por compra ou arrendamento – pelo sistema do uso múltiplo da floresta, nas formas mais amplas, mais racionais e mais avançadas de que fosse capaz.

Os lucros seriam seus e as responsabilidades para com os parceiros seriam também dela.

As associações de proprietários florestais já existentes em grande número, com os seus serviços técnicos e com os serviços técnicos e de investigação do ensino superior regional, poderiam ter um grande papel na promoção e criação destas empresas.

Julga-se que não seria difícil duplicar a actual produtividade do sistema de apoios do Estado aos produtores florestais, por estes meios; e conseguir-se rapidamente o equilíbrio financeiro de cada unidade florestal, através dos proveitos a curto prazo da exploração intensiva das várias modalidades do uso múltiplo da floresta.

Cada empresa criaria entre 50 e 200 postos de trabalho.

A Beira Interior é um campo virgem mas cheio de potencialidades para se colherem plenamente os frutos do sistema, numa aliança talvez inédita, entre a vontade de fomento do Estado, a criatividade e capitais da iniciativa privada, a riqueza de conhecimentos e capacidade técnica das Universidades e centros de investigação e a dinâmica do associativismo florescente.

Com 20 a 30 explorações destas estrategicamente dispersas pelos dois distritos mais vulneráveis, nuns 20 a 30.000 ha, teríamos quadriculado a Beira Interior para uma defesa eficaz contra os incêndios e instalado um sistema produtivo fortemente dinamizador de toda a economia da região e dos seus recursos renováveis, agora perdidos ou sem destino.

Em dez anos, poder-se-iam mudar completamente o panorama e perspectivas das áreas rurais de dois ou três distritos fortemente deprimidos, com uma política decidida e radicalmente inovadora, baseada na multiplicação dos parques florestais ecológicos e de rendimento intensivo, de que falei.

ACR

Outros textos sobre a Beira Interior:

- "Dos Incêndios Florestais";
- "Quer o Governo uma grande oportunidade para dar provas da sua ARTE DE GOVERNAR? Porque ..."
- "A segunda das catástrofes que assolaram a Beira Interior. E um teste ..."

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2003/10/16

NACIONALISMO ONTEM E HOJE (IV) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

(continuação do post de 2003/10/15)

Prof. Dr. António José de Brito

Final

Agora surge a pergunta, a um tempo trágica e clássica. No meio das ruínas: que fazer?

O caminho julgamos que é este:

l) Enfrentar lucidamente a realidade. O 25 de Abril destruiu a nação portuguesa. Amorim de Carvalho, que nada teve de fascista, a seguir a essa data ignóbil escreveu um livro cujo título resume a situação O fim histórico de Portugal. Este nunca foi o rectângulo actual, satisfeito com a sua insignificância, que é agora. Reduzido a isso pela traição activa ou passiva da maioria das forças armadas, que tinham jurado dar a vida por uma pátria claramente definida como pluricontinental e o que não queriam — profissionais da guerra — era combater, pelo abandonismo covarde de uma classe política de cócoras perante os ventos da história e pela sanção tácita (porque as vestais da democracia formalmente não se deram ao trabalho de consultar o sufrágio para destruir uma construção secular de energia e heroísmo) das grandes massas ululantes, que desejam, sobretudo, fugir a esforços e receber displicentes pequenas zombaias externas, Portugal morreu. A confirmá-lo, da maneira mais definitiva está o aparecimento de grupinhos que se proclamam nacionalistas e que acalentam carinhosamente junto ao peito a visão abrilina e rectangularista. Eles não querem saber que o que caracterizou o breve tempo do rectângulo no passado, foi não se contentar em ser rectângulo, um cantinho apagado da Península. Com D. Afonso IV houve a expedição às Canárias, com D. Fernando a tentativa de avançar pelo resto da Espanha, com D. João I o desembarque em Marrocos. E depois veio a Índia, o Brasil, a África meridional.

A versão abrilina que os referidos grupinhos adoptam, é que na África meridional no século XIX, apenas, Portugal estava em estreitas faixas de costa.

Simplesmente tal visão é deturpadora. Nos séculos XVII e XVIII os sertões africanos eram percorridos por exploradores militares, missionários portugueses e a soberania do Rei reconhecida por numerosos régulos do interior. No início do século XIX antes da perda do Brasil, fruto da traição de D. Pedro IV e da estupidez dos vintistas, já Brant Pontes propunha ligar o avanço vindo de Ocidente e Oriente num só território nosso em África 1. E é imensa a mole de documentos apresentados a comprovar os nossos direitos e a nossa presença de costa a costa, pelo Ministério dos Negócios estrangeiros português à Inglaterra e outras potências, antes do Ultimato. Se calhar o Ministério estava a fazer "propaganda salazarista", para usar a pitoresca expressão de um dos porta vozes dum dos grupinhos mencionados. Aplaudem estes a ética “nórdico-ariana”. A realidade fáustica (para usar a expressão de Spengler)2 da nação portuguesa deveria, se houvesse lógica, ser-lhes simpática. Mas não, o que querem é o cantinho da península abrilino estabelecido nas mais desonrosas condições — que pelos vistos não os incomodam muito. O modelo apontado por um dos mentores é a democrática Holanda actual, que, aos primeiros tiros e franzir de sobrancelhas dos U.S.A., recolheu prudentemente a casa. Brilhante exemplo de ética “nórdico ariana”, pelos vistos.

Aliás as nações todas estão em crise porque dominadas pela doutrina péssima da sua subordinação ao bom vouloir dos indivíduos, à tese que existem para eles, os quais, se lhes aprouver, poderão dividi-las e constituir novas nacionalidades
Este é o panorama actual de hoje e que em primeiro lugar é preciso olhar de frente sem disfarces optimistas.

2) Qual o remédio para a decadência geral?

Não procuremos ressuscitar os mortos mas fujamos também das falsas soluções.

Há quem proponha como objectivo uma Europa do Atlântico a Vladivostock, composta de nações soberanas e dirigidas pela ética “nórdico-ariana”. O curioso é que os proponentes têm simpatias pela homogeneidade racial, um deles até se referindo desprezivamente ao Brasil como um caos étnico (para usar a expressão de H.S. Chamberlain). Ora, pelo menos, uma das nações, livres e soberanas da exalçada Europa, é ela um caos étnico com eslavos, mongóis, tártaros, etc. E porque maravilhosamente conseguem raças tão diferentes ter uma mesma ética e a consideram nórdico-ariana? Baptismo convencional? Admitamo-lo, mas assaz fantasista. E qual o motivo porque são excluídos dessa ética japoneses e homens de pele negra? Se abrange os mongóis porque dela se excluem japoneses e negros?

Se a ética “nórdico-ariana” se puder estender a todas a raças (e então a que vem a invocação da Europa) verdadeiramente não é nórdico-ariana é uma ética universal e o que importa é a verdade do seu conteúdo. Pouco importa, porém, o que lhe chamemos (embora devamos fugir às extravagâncias). Se for a ética da devoção à comunidade política, do sentido do dever, da fidelidade e da coragem bem como da honra e da dignidade, sim, então está aí a síntese valorativa a seguir 3. Mas não tem nada a ver com Europa, aliás fixada arbitrariamente, nem com Norte e o Sul, nem com nações infelizmente mortas ou moribundas, nem com epidermes coloridas ou descoloridas.

Dessa ética, dita nórdica-ariana, estão mais próximos os zulus que, perante a bravura de um punhado de ingleses que lhes resistira, retornaram em massa, não para os esmagar, mas saudar o inimigo que soubera bater-se; ou os soldados africanos que combateram lealmente e sem temor sob a nossa bandeira ou aqueles que partiam "de madrugada, após terem saudado o seu imperador para salvar os seu camaradas com o seu próprio sacrifício"4 do que os actuais descendentes de germanos, loiros e de olhos azuis que vomitam bílis mal cheirosa sobre a epopeia militar do III Reich e rojam-se abjectamente perante as lavagens do cérebro dos vencedores, ou os senhores Vítor Alves, Vasco Lourenço, Rosa Coutinho, Costa Gomes e quejandos que terão branca a macia cútis mas de cuja alma não é bom falar.

3) Os nossos compatriotas são os que pensam como nós, onde quer que estejam e descendam de quem descenderem. É com eles que importa marchar em toda a parte, no esforço de desmascarar, com maior intransigência e o maior rigor, a disparatocracia reinante em todo o globo. A batalha das ideias é crucial e sem mentes esclarecidas nada feito. O nacionalismo assentava em princípios que nesta hora se apresentam desencarnados numa irreal pureza. A eles temos de cingir-nos, com toda a energia e procurar aprofundá-los dedicando-lhes o melhor da nossa reflexão. E são bem simples na sua integridade: a unidade autêntica vale mais que a pluralidade dos homens, a universalidade mais que a pessoa singular, o interesse comum mais que o interesse privado; e não há unidade, universalidade, interesse comum que não requeira um poder único que se imponha à dispersão à particularidade ao predomínio dos indivíduos ut singuli.
Quando reinarem nos espíritos estes princípios com o consequente repúdio do demo-liberalismo então começará a alvorecer. Não será para hoje nem para amanhã. Desprezemos os imediatismos e as ilusões dos triunfos fáceis. À nossa geração — minha e dos poucos que aqui e ali me acompanhem — cabe o esforço de não deixar apagar as pequenas luzes que bruxuleiam em homenagem à verdade, desmascarando os falsos ídolos adorados no rectângulo e alhures, sejam estes uma Europa de fantasia, o silêncio cúmplice e não condenatório face aos erros reinantes espalhados pelo mundo e malefícios semelhantes.

Sempre contra o 25 de Abril! Sempre contra a democracia! Pelo sacro Império universal da Ordem, da Autoridade, da Hierarquia.
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1 Alfredo Pimenta, Palavras à Juventude, Porto, Pola Grei, 1942, p. 9.
2 O. Spengler, Années décisives, trad. francesa de Raia Hadekel, Paris, Mercure de France, 3934, p. 75 "Quanto ao imperialismo marítimo, símbolo da expansão fáustica para o infinito… É a esse facto que se deve a descoberta do caminho marítimo pelos portugueses" Sobre o espírito fáustico ver ainda Decadência do Ocidente, trad. espanhola Garcia Morente, Madrid, Espasa Calpe, 1947, vol. IV, pp. 46-47, e num sentido estritamente político, Preussentum un Sozialismus, München, C.H. Beck, 1921, p. 25.
3 Ao caracterizar a alma nórdica H.F.K. Günther escreve "Na sua mais alta aparição é sobretudo a raça nórdica directamente a exibir os maiores homens de estado" (Rassenkunde des deutchen Volkes, München, J.F. Lehmanns, 1939, 103-113 milhares pp. 193-l94) "é superior em qualidades de vontade e cuidadosa previsão" (Idem, p.197) "Em muitos homens nórdicos manifesta-se a honra guerreira e predominantes qualidades soldadescas" (Idem, p. 203), noutra obra refere-se "à consciência do dever… que nunca fará perder um certo cavalheirismo" (Kleine Rassenkunde des deutschen Volkes, München, 1936, p. 60) e na Religiosidade indo europeia, trad italiana de Adriano Romualdi, Padova, Ar., pp. 187 "a concepção indo europeia de uma ordem cósmica em que a moralidade do indivíduo singular deve inserir-se vem novamente expressa; os valores da honra, da fidelidade da coragem viril… é reafirmada".
L. Ferdinand Clauss descrevendo Die nordische Seele traça estas linhas "O mais alto valor existencial para esta espécie é, desta forma, um certo sentido de heroísmo onde se não pensa apenas no heroísmo guerreiro" (Die nordiche Seele, München, J.F. Lehmanns, 1933, p. 18) Darré ensina "Em ligação com a ideia nórdica de Günther poderia nascer uma ideia de estado alemã… uma tarefa que vale que os melhores do nosso povo se sacrifiquem por ela" (Walter Darré. La Race, trad. francesa de Pierre Melon e A. Pfannstiel, Paris, Sorlot, 1939, p.286).
Se calhar isto também é propaganda salazarista.
Evidentemente que me dirão que estas virtudes aparecem ligadas a um certo corpo com certa hereditariedade. É isso, sem dúvida o disparate, mas os autores referidos, contradizendo-se, felizmente, apontam o caminho para o pôr de lado.
Assim Darré fixa autoritariamente "a raça pura em sentido nórdico reconhece-se materialmente pela concordância entre a sua acção e as directrizes nórdicas" (Obr. cit., p. 208, nota), Clauss proclama "o abismo é mais profundo: ele surge entre almas e almas e muitas vezes entre a alma e o seu corpo" (Obr. cit, p. 9) e Günther admite que pode talvez ser compatível uma alma nórdica com corpo de outra raça (Obr. cit.,p. 262).
4 Maurice Bardèche, Souvenirs, Paris, Buchet/Chastel, p. 220.

2003/10/15

NACIONALISMO ONTEM E HOJE (III) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

(continuação do post de 2003/10/14)

Prof. Dr. António José de Brito

O nacionalismo salazarista, com o lema "tudo pela nação nada contra a nação" — que não pode ser tomado à letra claro, porque Salazar, infelizmente sempre se proclamou anti-totalitário — alheio ao monarquismo e até à importância decisiva do factor político, não deixou, no entanto, de buscar, como indispensável, um poder com uma característica monárquica (embora não esgote a monarquia): o governo vitalício de um só.

Para além das formulas escritas da constituição, mantendo-se firme no repúdio dos partidos e da liberdade de imprensa, criando uma organização cívica, acaso frouxa, mas a única que, pelo menos até 1945, apresentava candidaturas eleitorais e com a direcção perpétua de Salazar, no Estado Novo conseguiu-se que este concentrasse em si a governação. Dele dependia, através da U.N., a designação dos deputados para a Assembleia Nacional, bem como a do Presidente da República que, em termos legais, designava o Presidente do Conselho (cargo oficialmente ocupado por Salazar). O sistema era imperfeito e artificial, pois poderia haver "sublevações", quer do Presidente da Republica (o que esteve prestes a acontecer com Craveiro Lopes), quer com a Assembleia, tanto mais que, depois de 1945, hélas, foram permitidos outros candidatos além dos da U.N. Mas, sem partidos organizados e sem a liberdade de imprensa, as probabilidades de vitória da anti-nação eram reduzidas.

O grande perigo estava nas manobras internas de ex-nacionalistas convertidos à mitologia reinante no mundo, com vistas a preservar o futuro pessoal.

De qualquer maneira, entre ventos e marés, o sistema foi funcionando.

Em 1939, eclodiu a segunda guerra mundial e bem podemos dizer que se iniciou o declínio do nacionalismo português. Essa guerra foi a cruzada das democracias como o tinha sido, em menores proporções, a guerra civil de Espanha.

Na última o nacionalismo português, pela voz e a pena dos seus mentores autorizados, alinhou, como era de prever, contra os "rojos".

Em 1939, foram numerosas as defecções. Alguns exemplos. Um diário lisboeta, cujo director tivera afinidades com a Acção Realista, bastante elogiou o fascismo, atacou a Frente Popular francesa, apoiou Franco e era salazarista firme, (um dos seus mais conceituados colaboradores foi convidado do governo nazi e publicou crónicas assaz amáveis para com o III Reich), diário de grande audiência no público da direita de então, passou a alinhar com os cruzados das democracias e nem a entrada da União Soviética no clube destas lhe modificou a atitude. Desenvolveu, largamente, a tontice segundo o qual nazismo era igual ou pior que comunismo. Boa parte dos leitores, a princípio não entendendo grande coisa, ia-se deixando influenciar, contactando pouco a pouco com elementos e ideias "indesejáveis".

Hipólito Raposo que em 1936 asseverava "se não fossem as reacções salvadoras da Itália e da Alemanha… a Europa teria abdicado do seu título de mãe da civilização cristã"1 em 1940, no prefácio do livro Amar e servir alude aos "totalitarismos em seus exageros criminosos, desprezadores da moral e dos direitos das gentes, negadores da personalidade humana".2 E o velho lutador contra a monarquia constitucional, que equiparava à república, ei-lo que desponta a elogiar a pseudo monarquia inglesa bradando "na Grã Bretanha reina uma monarquia que ainda há pouco deu prova da sua vitalidade, uma nobreza com função social e uma câmara dos Lordes com pares hereditários"3, monarquia, nobreza e Câmara dos Lordes que não passavam, naquela época, na Grã Bretanha, de presenças decorativas.

E, depois, Hipólito investe contra o Estado Novo que corporiza numa imaginária República da Ilusitânia a qual "fica situada à maior latitude do Arbítrio Pessoal e na maior longitude da Razão política".4

"Convertendo ou pervertendo os meios em fins na Ilusitânia deixou de haver escala e medida nos sacrifícios impostos pelo estatismo puro a benefício de quem lá governa e administra"5. Salazar e Carmona a encherem os bolsos como hoje os abrilinos. Enfim! E, perdido todo o bom senso, Hipólito proclama que "a mendicidade aberta ou descoberta é o meio de vida de metade da população"6 de Lisboa. Embora muito jovem, vivi nessa época e encolho os ombros.

Quanto a Pequito Rebelo, em 1942, numa conferência proclama "a doutrina da personalidade um indicador da tendência da evolução"7 achando que "o integralismo se mostrou mais pró personalista que anti-individualista"8, numa auto-interpretação assaz discutível. Depois, aponta à segunda geração integralista a missão de "combater a Pseudo Nação"9 que era como designava o Estado Novo. Isto no momento em que no nosso país a anti-nação erguia de novo a cabeça. Mas combater a pseudo nação de que ponto de vista? Pelo que tinha de transigente, de vestígios de democracia, de não rigorosamente autoritária? Nada disso. Interessava-lhe como um dos pontos básicos a "salvaguarda da dignidade e dos direitos da pessoa humana".10

E na altura em que a Inglaterra era a campeã da democracia lá vinha dedicar um volume assaz fantasista "Ao aspecto espiritual da Aliança Inglesa".

Por seu turno Almeida Braga, em 1944, no prefácio a livro de um militar heróico, que se mostrou insensato leader político (diga-se entre parêntesis que por exemplo em 37 ele achava que "o nosso libelo contra o liberalismo não visa as alegadas finalidades de liberdade e fraternidade que são justas e cristãs e como tais dignas de franca aprovação, mas sim apenas as suas fórmulas de realização prática"11, Almeida Braga, repetimos, exalta "a liberdade política"12, condena "a rigidez molesta da censura"13 e lembrado, por certo, dos elogios que, na revista Integralismo Lusitano — Estudos Portugueses, vol. II, fascículo IV, Julho de 1933, p. 242 e fascículo VI, Agosto de 1933, pp. 327-328, sob os títulos, respectivamente, "Itália gloriosa" e "Giovinezza, Giovinezza", quando já tinha sido formulada por Mussolini (e Gentile) o que pitorescamente classifica de "doutrina satânica"14, dedicara ao Fascismo, adverte "já pode dizer-se" (o já é uma delícia) que "o fascismo foi um erro político".15

Alberto de Monsaraz, em 1945, em plena ofensiva do MUD contra o Estado Novo, em que anti-nação parecia prestes a triunfar, lá veio com um opúsculo Altura Solar, exalçando "as múltiplas liberdades individuais com que se dignifica a personalidade humana"16 e apontando "o alto exemplo da Inglaterra monárquica, derradeiro baluarte de liberdades".17

O mal que estes desvios doutrinários produziram nos ambientes nacionalistas, que veneravam os autores mencionados como mestres, foi incalculável.

No momento em que parecia que se ia voltar ao caos anterior ao 28 de Maio e o nacionalismo seria varrido da terra, os mais respeitados dos seus fundadores resolviam alinhar com os erros triunfantes, trazendo a maior das desorientações a velhos e novos.

Felizmente, houve Alfredo Pimenta que se manteve impávido face à onda de desvario, apegado às antigas verdades, recusando-se sempre a pactuar com o liberalismo, a democracia, os direitos do homem, a eminente dignidade da pessoa humana e quejandas tolices.

Por circunstâncias ligadas à guerra fria, o Estado Novo de Salazar pôde ir sobrevivendo, mas já enfraquecido, forçado a relações perigosas e privado do que poderia ser, no plano doutrinário, uma crítica positiva de extrema direita, visando a monarquia integral.

Ao invés, em 1947, apareceu uma gazeta dita monárquica Diário Nacional, patrocinado pelos ex-integralistas que referimos, um dos quais — Alberto de Monsaraz — resolveu considerar as denominadas quatro liberdades de Roosevelt — a que chamava Carta do Atlântico — como pilares da Realeza 18. Essa gazeta era entusiasta da monarquia democrática, ou seja, do círculo quadrado. Alfredo Pimenta combateu energicamente o triste papel, que não durou muito tempo. Ai de nós, deixou semente. Nas várias campanhas eleitorais lá iam aparecendo listas que se proclamavam monárquicas e o que eram realmente é demo-liberais.

Em 1950, Hipólito Raposo, Pequito Rebelo, Almeida Braga deram à luz, creio que na pequena revista Gil Vicente um manifesto, republicado na Cidade Nova, IIª série, n.º 6, de 1951, em que além da habitual reivindicação da liberdade de imprensa propunham que as Cortes tivessem funções deliberativas na votação e alteração da Lei Fundamental.19

Precisamente um dos pontos que os fez repudiar o Pacto de Paris em 1922. Onde tínhamos chegado.

Em 1950 também, morreu Alfredo Pimenta figura insubstituível e insubstituída do nacionalismo português.

Em 1961 os Estados Unidos — os grandes inimigos actuais do terrorismo —, que já haviam feito contra a Alemanha e outros países guerra aérea visando sistematicamente populações civis, — armaram e pagaram a terroristas que, de 14 a 15 de Março, procederam a terríveis massacres em Angola, em nome da autodeterminação e da independência dos povos.

Uma fracção das Forças Armadas, impulsionada pelo então ministro da defesa — que tinha como subsecretário o futuro marechal Costa Gomes, mais conhecido pelo "rolha" — tentou, em Abril, um golpe para afastar Salazar do governo, com o consequente abandono do nosso Ultramar.

Falhou. E a 13, na rádio e na televisão, ouviu-se a voz daquele dizendo "pareceu que a concentração de poderes na Presidência do Conselho e da Defesa Nacional bem como a alteração de alguns altos postos facilitaria e abreviaria as providências necessárias para a defesa eficaz da Província " (Angola) "e a garantia da vida, do trabalho e do sossego das populações. Andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão. Como um só dia pode poupar sacrifícios e vidas é necessário não desperdiçar desse dia uma só hora para que Portugal faça todo o esforço que lhe é exigido a fim de defender Angola e com ela a integridade da nação".

A emoção foi enorme e mesmo gente da oposição não regateou o seu aplauso. Mas, meses depois, em Dezembro, a guarnição de Goa rendia-se sem luta e o facto não despertou uma reacção indignada em especial entre os exércitos de terra, mar e ar. O combate pela honra não tinha, pelos vistos, grande popularidade.

Saliente-se que Pequito Rebelo partiu para Angola com o seu avião a prestar os serviços que pudesse e fossem consentâneos com a sua idade. E os monárquicos — também — democráticos enfileiraram com palavra na defesa do Ultramar.

A guerra que nos era movida e que, por natureza seria longa, tinha uma raiz democrática patente. Defender o Ultramar e perfilhar doutrinas que conduziam via autodeterminação à possibilidade do arrear da bandeira revelava-se absurdo. E não tardou que se exigisse a discussão livre do problema ultramarino, logo com lícita propaganda abandonista e se apoiasse a celebérrima dita autodeterminação. Foi nesse período que a figura de Salazar assumiu proporções nunca vistas. Exemplo de firmeza de persistência, de coragem perante as pressões do estrangeiro, de devoção à causa pública, quase solitário ou mal acompanhado (um ministro, mesmo competente na sua estrita especialidade, era abandonista), com militares em grande parte só desejosos de voltar ao rectângulo e suas delícias, Salazar foi modelo de honra e fidelidade, do antes lutar que curvar-se, dos homens de antanho.20

O contrário se pode dizer de quem veio a ocupar-lhe a posição governativa: Marcello Caetano. Permeável, depois de longa evolução, às ideias do tempo, desde há muito partidário da mutilação do território nacional, Marcello Caetano hasteou o pendão da abertura liberal e da autonomia progressiva cujo termo, consoante declarou nas Minhas Memórias e O 25 de Abril e o Ultramar21, eram as chamadas independências. Para lugares importantes chamou renegados da extrema direita como Melo e Castro e Veiga Simão e também inimigos notórios do regime ao estilo do microscópico Sá Carneiro. Os resultados estão à vista. Nas vésperas do 25 de Abril o chefe de Estado-Maior das F.A. era Costa Gomes — o da conspiração de Botelho Moniz — e o vice-chefe o famoso eguariço António de Spínola que gozava, merecida ou imerecidamente, de grande prestígio nos meios castrenses. Nele a autodeterminação e democracia tinham feito faísca cerebral de que resultou um livro, abaixo de toda a classificação, denominado Portugal e o Futuro. Ambos Costa Gomes e Spínola patrocinavam os m.f.a. que, quando tiveram a certeza de que não haveria resistência séria vieram para a rua aos urros de "solução política" (como se a guerra não fosse uma solução política) e sobretudo de regresso a quartéis.

Na passagem da república coroada para a república de barrete frígio ainda houve um simulacro de combate.

Quando se tratou de esquartejar uma pátria nenhum dos heróis cobertos de galões ou estrelas disparou um só tiro. E a grande massa da população civil ou encolheu os ombros ou até aplaudiu.

O património secular (e garantia do futuro) que era a nação foi assim destruído pela vontade das gerações que tinham obrigação de o defender, obrigação especialmente acentuada em relação aos que por escolha envergavam uma farda. Portugal desapareceu, é uma recordação.
_______________________________________
1 Hipólito Raposo, Aula Régia, Porto, Civilização, 1936, p. XXX.
2 Hipólito Raposo, Amar e Servir, Porto, Civilização, p. XX,
3 Hipólito Raposo, Idem, p. XX.
4 Hipólito Raposo, Idem, p. XXII.
5 Hipolito Raposo, Idem, p. XXVI.
6 Hipólito Raposo, Idem, p.XXVIII.
7 Pequito Rebelo, Pela Dedução à Monarquia, cit., p. 85. Saliente-se que nesta edição estão textos muito posteriores a Pela Dedução à Monarquia de 1914.
8 Pequito Rebelo, Idem, p. 286.
9 Pequito Rebelo, Idem, p. 280.
10 Pequito Rebelo, Idem, p. 295.
11 Paiva Couceiro, Profissão de Fé, Lisboa, Gama, 1944, p. 69.
12 Luís Almeida Braga, Prefácio à Profissão de Fé citada na nota anterior, p. XV.
13 Luís Almeida Braga, Idem, p. XV.
14 Luís Almeida Braga, Idem, p. XII. Era a concepção, habitualmente mal compreendida, do estado ético.
15 Luís Almeida Braga, Idem, p. XIV.
16 Alberto de Monsaraz, Altura Solar, Lisboa, Pro Domo, 1945, p. 29.
17 Alberto de Monsaraz, Idem, pp. 29-30.
18 Alberto de Monsaraz, A Verdade Monárquica, Lisboa, ed. Restauração, s/d, pp.213-217. Aí se transcreve o que julgo, anos antes escrito foi no Diário Nacional, órgão da "monarquia" democrática
19 Ressalvo qualquer lapso de memória, mas julgo que este manifesto surgiu primeiro na Gil Vicente cuja colecção me é difícil obter.
20 Estas qualidades de tipo “nórdico-ariano” deviam agradar aos que hic et nunc invocam, com espavento, a ética “nórdico-ariana”. Mas não! Salazar não está entre os santos da sua devoção porque não era "rectangularista" como eles.
21 Marcello Caetano, Minhas Memórias de Salazar, Lisboa, Verbo, 1977, pp.616-518. Diz Marcello que Salazar no fim abandonara a tese integracionista dando como argumento que "nos meses da sua semi-lucidez agónica… Salazar repetia frases reveladoras subconscientes. E nelas não havia apego à formula integracionista". O argumento ex silencio é formidável, especialmente tratando-se de pessoa em semi-lucidez agónica. Processos que não comento. Marcello Caetano, O 25 de Abril e o Ultramar, Lisboa, Verbo, s/d (deve ser 76 ou 77), pp. 12-15.

(continua num próximo post)

2003/10/14

NACIONALISMO ONTEM E HOJE (II) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

(continuação do post de 2003/10/13)

Prof. Dr. António José de Brito

Mas passemos para o plano do que foi outrora Portugal e hoje, por inércia, se continua a designar dessa forma, e voltemo-nos para o nacionalismo português. Eu considero que 73 e 74 foram realmente os anos do fim na fórmula extremamente feliz de um autor — Nogueira Pinto — que, depois, a repudiou e, pelos vistos, acha que este reles rectângulo multitudinário, reles partícula da Europa dos mercadores e bufarinheiros, tem algo de essencialmente semelhante com a pátria do "morrer sim mas devagar" e "por cada pedra desta fortaleza eu daria um filho."

Eu sou um emigrado do interior, que espera a morte neste território porque ser emigrado do exterior não importa a pena, pois desde 1945 está presente por toda a parte o mesmo esterco.

Nesta altura perguntar-me-ão porque estou com divagações sobre o nacionalismo dito português se já não há Portugal? Não é uma situação paradoxal?

Não, pelos motivos que adiantarei. Primeiro: O nacionalismo assenta em princípios. A forma como foram aplicados no nosso ex-país pode servir para mostrar erros e falhas que deverão ser evitados se se travar de novo o combate contra os malefícios do nosso tempo, embora sob nova moldura. Depois, saber não ocupa lugar e não é mau, perante a série de disparates intoxicadores hoje em voga, levantar o véu da verdade quanto ao passado outrora nosso. Finalmente porque a história das ideias é sempre útil para quem pretenda pensar a sua linha de conduta política. Dirão que o que vamos fazer não é história mas arqueologia? Talvez, mas é arqueologia muito superior à dos rapazinhos que afirmam que o actual rectângulo "lusitano" já estava delineado desde há quatro mil anos.

De resto será paradoxal por exemplo estudar o pensamento monárquico num povo em que a monarquia já não existe e nenhuma chance tenha de restauração? Não se tirarão ensinamentos para a instauração da Realeza noutras paragens?

Diga-se de passagem que no presente, entre nós a monarquia praticamente morreu também, pois aquele a quem caberia a posição de rei, em boa verdade é republicano porque é democrata, a república sendo a conclusão lógica da democracia. E claro que um "pretendente" republicano nunca será rei, como um ateu jamais será papa, por muito que lhe dêem tal nome. E sem rei não se vislumbra monarquia senão numa manhã de nevoeiro.

Mas voltemos ao nacionalismo português.

Numa altura em que se estava longe de se aplaudir a felonia e a deserção, agora celebradas anualmente, em garbosos desfiles de luva branca e ar marcial das chamadas forças armadas, mas em que já nuvens caliginosas se acumulavam sobre Portugal, por força de um regime execrável e das mais falsa ideologias, um grupo de rapazes resolveu pensar a pátria em dignidade e verdade. Assim surgiu o Integralismo Lusitano com Sardinha, Pequito Rebelo, Hipólito Raposo, Almeida Braga, João do Ameal, Alberto Monsaraz, Rolão Preto, etc. Começaram eles por publicar uma revista a Nação Portuguesa, constituir um movimento e ter um jornal denominado Monarquia. No primeiro número da Nação Portuguesa, apareceu um texto célebre "O que nos queremos". Aí se traça a concepção de uma monarquia de poder pessoal como condição sine qua non da sobrevivência da Portugalidade.

Mas o que os integralistas dessa época expunham era bastante mais do que esse texto dizia.

Eles desenvolviam um nacionalismo claro, corporizado, verbi gratia, nas palavras de Sardinha "pondo a nacionalidade como razão e fim de nós próprios concluímos na necessidade do Rei como elemento do seu prestígio e da sua existência".1

E não esqueçamos que, na obra de maior fundo teorético do Integralismo — Pela dedução à monarquia de Pequito Rebelo — este, depois de traçar a hierarquia ontológica-axiológica dos seres — "matéria força, organismo vivo, pessoa humana e sociedade",2 não hesitava em escrever que "a pessoa humana, constituindo parte da sociedade, é menos complexa que a sociedade", continuando mais adiante "o mal reside até, não directa e essencialmente na personalidade, mas na actualização de uma possibilidade da personalidade que é exactamente a possibilidade que tem a personalidade de persistir em si mesma não se integrando nas leis sociais".3

Como se vê, o Integralismo tomava posição universalista na questão básica "indivíduo sociedade". Dela é que decorria a sua atitude monárquica. E nem vale a pena exibir as páginas, tão numerosas elas são, em que a partir das suas concepções iniciais, deduzia uma série de negações firmes como o repúdio do liberalismo e da democracia e do período constitucional.

Sobre o Integralismo pesou a acusação de ser um plágio da Action Française. Mas não passa de um lugar comum ainda para mais falso. É patente que entre ambas as escolas há pontos idênticos, porque ambas são espécies de nacionalismo. Mas, também, aqui e ali, havia discrepâncias: no tocante ao romantismo, à Renascença, à valoração da Idade Média, à questão do direito sucessório, etc.. A hipótese do plágio ou decalque é, assim, de afastar. Sem falar que na tradição do pensamento político português existiam já vários tópicos perfilhados pelo Integralismo.

De resto, a suposição que um nacionalismo se contradiz por coincidir com outro no essencial, não tem fundamento racional. Nessa altura dois indivíduos não podiam ser, igualmente, individualistas. Adiante.

Anote-se que o Integralismo inicial foi acompanhado, desde 1915, por um escritor que jamais aderiu formalmente a ele, mas com cuja doutrina declarava estar de acordo por inteiro. Refiro-me a Alfredo Pimenta, um dos mais coerentes, mais eruditos e mais desassombrados dos pensadores monárquicos portugueses.

E não se deixe de salientar que se o Integralismo considerava pseudo monarquia a chamada monarquia liberal, condenava ainda como desvio perigoso do rumo normal da tradição, a denominada monarquia absoluta, em que as Cortes deixaram de ser ouvidas.

Quanto a nós, a monarquia desapareceu, efectivamente, em 1820 (com breve reaparecimento, no reinado de D. Miguel) mas não sofreu o desvio perigoso com um chamado absolutismo caracterizado pela não reunião de Cortes. As Cortes eram convocadas por iniciativa do Rei e que, durante largo tempo, não fossem convocadas, em nada alterava a constituição da monarquia.

Não vou aqui deter-me longamente nas vicissitudes do Integralismo. Ele, de início, aceitou a realeza de D. Manuel II, sem embargo deste, em 1914, data do aparecimento da Nação Portuguesa, não ter renegado a Carta e não ter dado sinais de se aproximar da genuína realeza.

Em Janeiro de 1919, teve lugar a Monarquia do Norte, assim chamada porque durante cerca de um mês a norte do Douro, a bandeira azul e branca substituiu aí a verde e vermelha. D. Manuel, partidário entusiasta dos meios legalitários e, aliás, pouco informado, permaneceu alheio à revolta.

O Integralismo, depois da vitória do regime republicano escolheu o momento para formular um Ultimato ao Rei exigindo que repudiasse a Carta e adoptasse a doutrina tradicionalista. Como aquele não aceitasse a exigência, os integralistas desligaram-se da obediência a quem, até então, acatavam como soberano e aclamaram rei o descendente D. Miguel, D. Duarte Nuno de Bragança (a seguir a várias abdicações), uma criança ainda que ficou sob tutela da Infanta D. Aldegundes.

Monárquicos houve que, aderindo aos princípios integralistas, achavam descabida a imposição feita a D. Manuel. Por exemplo Alfredo Pimenta.

Em 1922, celebrou-se o Pacto de Paris, entre o ramo miguelista e o ramo manuelista. D. Aldegundes em nome do Sr. D. Duarte, reconhecia a realeza de D. Manuel. E estabeleceu-se que a futura constituição seria da competência das Cortes.4

Os integralistas repudiaram o Pacto considerando-o, e bem, uma pura expressão de parlamentarismo, usando até António Sardinha a dura expressão "atraiçoados por uma infanta de Portugal".5

Nessa altura, o Integralismo Lusitano dissolveu-se enquanto organização política, apenas ressurgindo quando o Pacto foi denunciado por D. Aldegundes, em 1925. Já então morrera Sardinha.

Entretanto, após algumas tentativas infrutíferas, os integralistas manuelistas estruturaram-se num grupo sólido, que foi a Acção Realista Portuguesa, em que Alfredo Pimenta era vulto destacado e onde se salientaram Caetano Beirão, João Ameal, Fernando de Campos, António Cabral, Luís Chaves, Ernesto Gonçalves e outros.

Depois do 28 de Maio, um dos fundadores do Integralismo, exilado no Brasil, a seguir a 1919 — João do Amaral —, regressou e fundou a Liga de Acção Integralista, a que aderiram a Acção Realista e uma série de Integralistas da nova geração. Nesse período agitado, em que as tentativas de golpe abundavam, uma série de oficiais, ligados à referida Liga, falharam na imposição das suas directrizes, arrastando-a na débacle. Permaneceram a Acção Realista, tal como os velhos integralistas.

Dois acontecimentos marcaram o nacionalismo português a seguir — a entrada de Salazar, em 1928, para o governo, na qualidade de ministro das Finanças, onde o prestígio, em breve adquirido, permitiu-lhe proferir, em 1930, o chamado, impropriamente, discurso da Sala do Risco em que manifestou a intenção de imprimir à conjuntura castrense da época uma orientação nacionalista, anti-liberal e antidemocrática, mas fazendo abstracção da monarquia e, por outro lado, em Fevereiro de 1932, o aparecimento do jornal Revolução que, em Maio do mesmo ano, passou a ser dirigido por Rolão Preto, iniciando-se assim o movimento nacional-sindicalista de que Rolão assumiu a chefia e Alberto Monsaraz o cargo de secretário "geral". Tratava-se de dois integralistas que, não esqueçamos, se tornavam dirigentes de um partido nacionalista, mas igualmente alheio à ideia monárquica.

O nacional-sindicalismo tinha todos os aspectos exteriores do fascismo — camisas azuis, saudações de braço estendido, etc. Salazar, esse, nas suas célebres entrevistas a António Ferro, acentuara o que o aproximava do fascismo mas também o que o separava, sendo sempre insistente no seu repúdio activo do totalitarismo. O órgão jornalístico do nacional-sindicalismo foi — juntamente com o Comércio do Porto, não se sabe por que carga de água — o único em Portugal a celebrar a subida ao poder de Hitler.

Mas, à parte as manifestações folclóricas e a celebração referida, o nacional sindicalismo pouco tinha de genuinamente fascista, como aliás mostraremos adiante.

Claro o choque destas duas tendências, dentro da mesma política parecia inevitável. O nacionalismo como que estava numa encruzilhada: ou optar por uma alternativa de direita conservadora, meramente fascistizante, ou por um fascismo integral e radical. Mas, na nossa opinião semelhante alternativa não passa de uma aparência ilusória. Quem lê os textos de Rolão e o diário Revolução nada encontra de substancialmente totalitário. Mais: em 16 de Julho de 1933, num discurso no teatro S. Carlos, ele proclama "nós estamos para além do fascismo que é a escravidão do homem em proveito do Império".6

Em Novembro desse ano reúne-se o Congresso nacional-sindicalista para se debater a posição face ao Estado Novo. Rolão Preto, Monsaraz e bastantes outros manifestam-se a favor da plena independência, do estar de fora, ao passo que Manuel Múrias, Supico Pinto e muitos militantes se manifestaram a favor do regime.

A cisão ocorreu e, enquanto a Revolução era suspensa aparecia a Revolução Nacional dirigida por Múrias.

Em Julho de 1934 surge a célebre nota de Salazar convidando os nacionais-sindicalistas a ingressar na União Nacional, os que o não fizessem passando a ser considerados indiferentes ou inimigos.

Em 1935, os nacionais-sindicalistas da obediência a Rolão Preto mancomunaram-se com elementos da anti-nação num golpe de estado fracassado contra Salazar e, no ano seguinte, Rolão Preto publica o livro Justiça, dedicado à memória de seu bisavô deputado às constituintes vintistas e do filho deste, cúmplice dos assassinos dos lentes de Coimbra que iam prestar homenagem ao rei legítimo. E dedica-o com estas palavras "ao seu alto sonho de liberdade".7 No volume abundam os elogios "aos direitos de livre crítica"8 à "independência dos poderes do Estado"9 bem como os ataques à censura que a "Revolução não pode aceitar porque não aceita nenhum limite para as liberdades espirituais"10 e por aí adiante.

Em obra intitulada A Revolução espanhola não deixa de agredir o fascismo. Em Para além da guerra, de 1942, em plena cruzada das democracias, prudentemente não toma atitude clara, tendo a pitoresca conclusão que, com a guerra, o homem concreto "compreendeu… como será vã toda a justiça que não assente no respeito da pessoa humana porquanto toda a pessoa é sagrada".11 Só que as pessoas, pelos vistos, sagradas de Hitler e Mussolini, já em 1945 no estudo Traição burguesa são classificadas de "tiranos".12

Quanto ao resto, nem vale a pena falar. O que ainda se aponta como chefe fascista português esteve ao lado do pobre demagogo Humberto Delgado e deu o seu aval à traição abrilina, presidindo um dos seus partidos — o P.P.M. Para chefe de movimento fascista não está mal!
______________________________________
1 António Sardinha, Na feira dos Mitos, Lisboa, Gama, 1942, 2ª: ed., p.3.
2 Pequito Rebelo, Pela Dedução à Monarquia, Lisboa, Gama, 1945, p.13.
3 Pequito Rebelo, Idem, p.27.
4 António Cabral, El Rei D.Duarte II, Lisboa, Francisco Franco ed., 1934, p. 75.
5 António Sardinha, A Prol do Comum, Lisboa, Férin, 1934, p. 26.
6 Cit.por José Plácido Barbosa, Para além da Revolução… Revolução, entrevistas com Rolão Preto, Porto, 1940, p.127.
7 Rolão Preto, Justiça, Lisboa, sem menção de editor, 1936, p.1.
8 Rolão Preto, Idem, p.95.
9 Rolão Preto, Idem, p. 91.
10 Rolão Preto, Idem, p.98.
11 Rolão Preto, Para além da guerra, Lisboa, Gama, 1942, pp. 113-114.
12 Rolão Preto, A traição burguesa, Lisboa, Pro Domo, 1945, p.162.

(continua num próximo post)

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2003/10/13

NACIONALISMO ONTEM E HOJE (I) 

Comunicação ao I Congresso Nacionalista Português - Lisboa, 13 e 14 de Outubro de 2001

Prof. Dr. António José de Brito

Podemos, sem grande receio de erro sustentar que o nacionalismo surgiu na Europa nos finais do século dezanove 1. Claro que é possível denominar de nacionalista o movimento que despertou no termo de mil e setecentos e começos de mil e oitocentos e que melhor se designará pelo raiar do princípio das nacionalidades, ligado aliás às revoluções americana e francesa 2. Trata-se de uma modalidade do individualismo. Os homens agrupar-se-ão de acordo com a sua vontade. Eles estarão juntos se lhes aprouver estar juntos. Apesar de uma linguagem, uma religião e um passado comuns se assim o resolverem, formarão várias nações. Uma comunidade política multissecular dividir-se-á, se tal for o soberano querer dos seus habitantes.

Em suma: as nações não são nada de substancial; a sua existência é uma projecção do ideário dos direitos da pessoa humana e do cidadão, um aspecto do catecismo democrático. Daí que alguns pensadores ou pseudopensadores repitam hoje em dia, que só depois de 1789 passou a haver nações 3. Não se costuma frequentemente a propósito de tal fenómeno aludir a nacionalismo 4. Mas há quem o faça e, como os vocábulos suportam tudo, não deixamos de advertir que “isso” também será por hipótese baptizado de nacionalismo. Em todo o caso é a antítese do que na França, na Itália, em Portugal, recebeu, no início da passada centúria, a classificação de nacionalismo e que trazia consigo duas concepções com certo ineditismo e escândalo: 1) cada nação representava algo de superior aos indivíduos humanos e são estes que devem estar ao serviço das nações e não o inverso; 2) importa fixar solidamente quais são as condições do primado do interesse nacional e não se ficar pelas expansões sentimentais, sem consistência, de amor à nação.

O nacionalismo procurava estabelecer as exigências indeclináveis da vida e prosperidade da nação e onde estão, juntamente com a sua morte, os seus inimigos. Por isso formulou, inequivocamente, o conceito de anti-nação na convicção que é perfeitamente disparatado exaltar a ideia de nação e aplaudir ao mesmo tempo o que é contrário à nação.

O nacionalismo sustentou que as nações só duram se os indivíduos organicamente se integrarem nos grupos naturais — família, municípios, sindicatos — que, por seu turno, terão de integrar-se na grande totalidade ou unidade nacional. E porque a nação é uma unidade precisa de um poder uno, que tal unidade garanta, contra todas as tendências dissociadoras; esse poder uno, obviamente, é o poder de um só, o qual se não for transmitido por hereditariedade, por ordem de progenitura, acaba por dissolver-se na pluralidade.

O nacionalismo — francês, italiano, português — foi, por isso, corporativista e monárquico; a monarquia que defendia nada tinha a ver com as actuais contrafacções da monarquia, extremamente divulgadas em Portugal e na França.
Simultaneamente, o nacionalismo considerava expressões da anti-nação, antes de mais, os partidos, factores divisionistas por excelência e, depois, os chamados direitos fundamentais, que logicamente levavam a admitir liberdade de imprensa, porventura contra a nação, liberdade de pensamento acaso contra a nação, a liberdade de consciência eventualmente contra a nação e a liberdade de voto directamente contra a nação.

O nacionalismo, em resumo, em nome da nação procurava estabelecer uma ordem que obedecesse a princípios que tinham estado em vigor em grande parte do mundo até 1789.

Pondo o primado da nação não fazia senão ressuscitar a velha tese segundo a qual o bem comum, diferente da mera soma dos bens particulares, era axiologicamente superior a estes. Tese que vem de Platão e Aristóteles até aos nossos dias passando, por Descartes e Hegel. Só que na Grécia o bem comum era o bem da polis, na Idade Média o de um Império, mais aspiração do que realidade, com o nacionalismo o bem de uma comunidade — não de uma super associação comercial como a C.E.E. — fixada a determinado solo, com uma história política, uma missão e uma tradição idênticas — a nação. Os homens passam e esta pode e deve subsistir, acentua o nacionalismo. Ela é uma espécie de património dado em depósito a cada geração. Se a contemporânea e as seguintes a renegam, a nação agoniza e desaparece. Corno diz Maurras, ela é "Mãe e filha dos nossos destinos".

"Mãe" porque o todo vale mais do que as partes ut singuli, a unidade supera a pura pluralidade, "filha" porque, na ordem factual, as partes podem aniquilar o todo, a pluralidade dissolver a unidade.

E por que motivo é que a unidade vale mais que as partes, a unidade mais que a pura pluralidade? Por serem aquilo que de mais alto se pode conceber. Colocar qualquer coisa acima do todo ou da unidade é impensável, visto que o todo seria uma parte do que está acima dele, a unidade se reduziria a um múltiplo entre outros.

O todo, a unidade são o que há de mais elevado. O nacionalismo, sem considerar as nações a própria unidade ou o todo, sublinha que elas estão muito mais próximas de semelhantes ideias do que um mero aglomerado ocasional de indivíduos ou pessoas humanas.

Esta é expressão do que é dividido, porque os elementos reunidos apenas o estão arbitrária e acidentalmente. E o dividido é o que está em interno conflito. Logo o que se contradiz.

Por outras palavras: o bem particular é o bem limitado; o máximo bem, o bem ilimitado será o que for comum. E a nação como comunidade representará um bem que é comum, superando assim o bem dos indivíduos humanos.

Acontece que o nacionalismo, exigindo, como vimos, o repúdio dos partidos, dos direitos do homem, em suma o repúdio da concepção do mundo democrática, não deixou de os encarar face a face, procurando demonstrar que, tomada em si, não passava de uma série de falácias. O nacionalismo surgiu, assim, ligado a uma implacável crítica da democracia. Sintetizemos a sua posição a tal propósito.

Ele salientou os seguintes tópicos: 1) a liberdade ou aceita a sua negação autodestruido-se ou impõe-se, autodestruindo-se também; é contraditória. 2) Se o homem tem direitos enquanto homem é porque é valor em si; mas como pode o que é valor em si cometer as maiores abominações — v.g. as que são imputadas aos fascistas e nazis — e, além disso, pôr em prática a doutrina de que o homem não é valor em si? Outra contradição. 3) No que respeita à liberdade de associação, que ganha especial relevo no tocante à formação de partidos políticos, encerra ela igualmente contradição porque ou podem formar-se partidos, eventualmente triunfantes contra a liberdade de associação, e a liberdade de associação auto-aniquila-se; ou se proíbem os partidos que sejam contra a liberdade de associação, só se admitindo partidos adeptos da liberdade de associação, ou seja partidos, com uma ideologia única e fundamental; logo um partido único (dividido em subpartidos com divergências de pormenor) numa negação clara de uma clara liberdade de associação.

O nacionalismo situando-se numa patente antítese do universo das ideias demo-liberais, sentiu-se no dever de mostrar que o seu inimigo não passava de um conjunto de incoerências, um verdadeiro caos mental.

Mas o nacionalismo não se limitou a isso. O mundo demo-liberal não só se proclamava o detentor da racionalidade, como tentava mostrar que, fora dele, ao longo da história só tem havido horrores e monstruosidade, maiores ou menores. Por isso o nacionalismo procurou fazer uma revisão da história no sentido de desmascarar as propagandas (por exemplo contra D. Miguel e o Ancien Régime) e anular as pseudo certezas espalhadas pelos vencedores.

Convém advertir que o nacionalismo não absolutiza a nação, porque sabe perfeitamente que houve e há várias nações e que o Absoluto é só um.

A nação, para ele, será o que mais se aproxima do Absoluto na perspectiva terrena, mas não é o Absoluto. Nesse sentido, o nacionalismo admite a manifestação revelada do Absoluto através da religião, especialmente quando for a religião tradicional e própria de um país. Não se julgue, porém, que o nacionalismo faz da religião um instrumento e pensa que não deve ser encarada do ponto de vista da sua verdade intrínseca. Simplesmente não lhe cabe, enquanto nacionalismo, pronunciar-se sobre o problema.

Claro que, a priori, entende que "gratia non tollit naturam sed perficit" e por isso não concebe, e considera falsa, uma religião anti-nacional não tendo escrúpulos em tomar as medidas que entender oportunas contra ela.

Obviamente, o nacionalismo é uma ética ou uma moral. Não vamos abordar aqui o problema da distinção entre ética e moral.

Pela nossa parte, sustentamos que onde houver um valor supremo estamos face a algo que dirige as acções dos homens de maneira indiscutível, traçando-lhes deveres e os únicos direitos admissíveis, que são os que derivam dos deveres. E a isso chamamos ética ou moral.

Pelo que dissemos acerca do nacionalismo, torna-se patente que este é uma ética ou moral.

Em todo o caso, pode-se observar contra o que aqui expusemos que o nacionalismo é uma política: E a política nada tem a ver com a moral (ou ética). A moral representa algo de absoluto ou que participa do absoluto: a política não. Aí tudo é contigente e mutável. Não vale a pena aborrecer-nos com ninguém, actor ou entusiasta da traição abrilina, por Portugal ter sido reduzido a um miserável rectângulo. Pessoalmente sentiremos muita pena, mas isso não deve impedir que sejamos correligionários de pessoas que pensam o contrário. Em política não há nada de radicalmente errado, nada por que valha a pena lutar e morrer.

Simplesmente, esses que proclamam que moral e política estão perfeitamente afastadas, se distinguem por inteiro, não deixam de, indignados, gritar, espolinhar-se, manifestar com fúria a sua condenação do chamado holocausto, sobre o qual tive e tenho todas as dúvidas por mais que estude o assunto. De passagem digamos que alguns dos que hoje fulminam raios contra o dito holocausto (e, ao mesmo tempo, põem a política de um lado e a moral do outro), ainda aqui há uns anos se mantinham em silêncio discreto ou em privado exprimiam até o seu cepticismo quanto ao dito holocausto. Deixemos isso, porém.

A questão é a seguinte: se se asseverar que o holocausto era a política nacional-socialista —repito que não creio nisso — ele, enquanto política, não poderia ser moralmente condenado.

Claro que nos replicarão que a política não é a moral, mas não deve violar a moral. Imediatamente, surgirá, então, a pergunta: não é verdade que proibir algo implica o valor daquilo cuja negação é proibida. E encontrando-se o valor encontra-se o que deve ser respeitado e seguido.

Logo, se a moral proíbe certos comportamentos políticos, ipso facto está a impor à política que seja orientada e guiada por determinadas directrizes morais, com o que aquela é integrada na moral.

Talvez se observe que esta última é mais ampla que a política? Será, mas isso não impede que a política faça parte da moral. Se este ponto de vista for falso, voltaremos à separação entre moral e política o que implicaria que em política se podem cometer, tranquilamente, actos imorais ou amorais. Admitir-se-ia o velho ditado inglês "in love and politcs everything is fair" e aceitar-se-ia o holocausto — em que, insisto, não acredito, mas cuja realidade, me fosse demonstrada, reprovaria com indignação. O engraçado é ver os apologistas da separação entre moral e política aos urros contra a monstruosidade moral do nacional socialismo, embora, coerentemente, a traição de Abril ou a de Julho de 1944 pareça já não os incomodar muito — é política.

De qualquer modo, o nacionalismo indicando o que é para ele o bem mais alto, na ordem terrena, formulando deveres e direitos, etc., não pode deixar de constituir uma ética (ou moral) e os que o negam, no brilhante intuito de "dessacralizar" a política, o que pretendem legitimar é oportunismo e renegações, torpes convivências et reliqua. São tudo menos nacionalistas, ainda que convidados para congressos com esse rótulo.
______________________________________
1 No sentido em que "nacionalism is a state of mind in which the supreme loyalty of the individual is felt to be due to the nation state" (Hans Kohn, Nationalism, Malabar, Florida, Robert & Krieger, 1982, p. 9) e que "in nationalism the nation is placed upon the highest pedestal" (Peter Arnold, Nationalism, London, Edward Arnold, 1965, p. 9), o nacionalismo surgiu apenas nos finais do século dezanove, embora os autores que citamos, contrariando as próprias definições, o localizem muito anteriormente.
2 Veja-se por exemplo, Benaerts, Hauser, L'Huillier, Maurain, Nationalités et Nationalisme, Paris, PUF, 1968; Nationalism in Europe 1815 to the Present, a reader, ed. by Stuart Woolf, London and New York, R, 1996; Nationalism and Nationalities in the new Europe, ed. by Charles A. Kupchan, Ithaca and London, Cornell University Press, 1995, pp.19-52; Nationalism, ed. by J. Hutchinson & A. D. Smith, Oxford University Press, 1994, pp. 5-6.
3 René Maublanc, Esquisse d'une morale républicaine, Paris, La Bibliothèque Française, 1945, p. 29.
4 Raul Girardet, Autour de L'Idéologie Nationaliste, in Revue Française de Science Politique, vol XV, n.º 3, Juin 1965, pp. 426-427.

(continua num próximo post)

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